CINESTESIA #26 | A crise de hollywood é cultural
No caos econômico e político do país, potencializado pelas últimas tarifas trumpistas, a indústria teme uma grande recessão fatalista, sem enxergar sua crise cultural.
Hollywood se consolidou ao longo do século XX como um dos pilares culturais dos EUA, tanto para a representação dos valores do american way of life para os próprios estadunidenses, quanto para a exportação cultural para o resto do mundo - sobretudo, a América Latina.
Porém, na última década, o boom dos streamings e a internacionalização, cada vez maior, de produtos culturais, têm impactado o reinado hollywoodiano e fazendo-os se confrontar com uma realidade parecida com a de 2008.
Ainda assim, à época, havia uma base sólida: a TV paga reinava, presente em 87% dos lares norte-americanos, e o modelo publicitário clássico mantinha os estúdios vivos mesmo durante o caos.
Mas e agora, em 2025?
Dessa vez, o cenário é outro — e mais instável.
A economia global volta a dar sinais de alerta, com tarifas, inflação e redução da confiança dos consumidores. Só que, diferente de 2008, a indústria do entretenimento já não conta com aquele colchão macio da TV tradicional. A queda da TV a cabo é estrutural e definitiva. Hoje, ela sobrevive em menos de 70 milhões de lares nos EUA, enquanto o streaming fragmentou hábitos, receitas e fidelidades.
Em meio à volatilidade, empresas antes consideradas seguras, como operadoras de TV por assinatura, enfrentam um novo tipo de concorrência: digital, ágil e de fácil cancelamento.
Enquanto isso, o que cresce (ainda que sem compensar todas as perdas) são os anúncios em TV conectada, YouTube e serviços medidos por performance, como Google, Meta e Amazon.
O que sobra?
As transmissões de esporte ao vivo. A NFL, em especial, ainda sustenta grandes audiências e orçamentos publicitários nos EUA. Não é atoa que a exportação da competição de futebol americano não para (tivemos, em 2024, o primeiro jogo oficial do campeonato realizado no Brasil - a maior audiência fora dos EUA). A própria NBA (o campeonato de basquete) também segue crescendo e expandindo ações de marketing de experiência em terras brasileiras.
Mas mesmo isso tem seus limites. A Disney, por exemplo, se beneficia com a ESPN, mas seus parques temáticos são extremamente sensíveis a momentos de crise. A alta de tarifas sobre brinquedos e roupas vindos da Ásia pressiona também os ganhos com licenciamento.
Ainda assim, há exceções. A Netflix, por depender majoritariamente de assinaturas (e não tanto de publicidade), é vista como mais resiliente do que outras - e, ainda assim, tem registrado perdas com gastos cada vez maiores em produções megalomaníacas.
Já a indústria da música parece, surpreendentemente, um porto mais seguro desta vez: com Spotify estabelecido e serviços de assinatura a preços acessíveis, o setor está mais saudável do que nunca.
O “X” da questão é cultural
Entre recessão, inflação e um modelo em mutação, há um novo tipo de temor pairando entre executivos da indústria: o desinteresse global pela cultura americana. É fato que o mundo já começou a virar o olhar para produções locais e culturais mais específicas.
O K-pop na música, os doramas (novelas coreanas) e os animes já provaram que o conteúdo asiático está cada vez mais abraçado pelo gosto popular do mundo ocidental, tanto na Europa, quanto nos EUA e na América Latina.
O que Hollywood, com seu império de franquias e IPs, faz se sua maior força se tornar também seu ponto fraco?
As mudanças no entretenimento não são apenas sobre tecnologia, plataformas ou formatos. Elas tocam em algo mais profundo: o que queremos assistir e de quem queremos ouvir histórias. É fato que a exportação cultural dos EUA chegou a um ponto de inflexão para boa parte da população mundial, até mesmo em países que, até muito recentemente, seguiam imersos no flow - como o próprio Brasil.
E talvez, por mais que a indústria hollywoodiana - e, consequentemente, os Estados Unidos enquanto “grande nação” - torça para não precisar responder isso agora, o tempo de confrontar essa pergunta chegou.
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Que texto oportuno e provocativo!
Para pensar…