CINESTESIA #31 | A impossível missão de salvar o cinema
Tom Cruise contra a AI, em defesa do cinema e de si mesmo.
Se você acompanha minimamente a indústria cinematográfica, com certeza ouviu nos últimos anos a fatídica frase: "o cinema está morrendo."
Morrendo sufocado pelo streaming. Morrendo sem público nas salas. Morrendo na bilheteria. Morrendo em meio ao ruído da superprodução de conteúdo. Morrendo porque ninguém mais faz filmes como antes. Morrendo porque tudo virou série.
Morrendo, simplesmente, porque o tempo está mudando e o cinema encontra dificuldades para se perceber como manifestação midiática e expressão cultural na atualidade.
Pois bem. A cada novo suspiro dessa ideia de luto, alguém surge tentando cumprir a missão de salvá-lo. Foi assim com Barbie e Oppenheimer, que explodiram em bilheteria em 2023 e viraram um evento cultural global. Foi assim com os filmes da Marvel, que durante uma década inteira encarnaram o papel de locomotiva da indústria. Foi assim com as promessas de lançamentos épicos de nomes mainstream da indústria como Christopher Nolan e os filmes de Duna de Dennis Villeneuve. Foi assim com o recente Pecadores, fenômeno de bilheteria que equilibra autoralidade e elementos do blockbuster.
E, claro, foi assim (de uma maneira muito particular) com Tom Cruise.
O homem que corre como ninguém, salta de penhascos e enfrenta a gravidade, se mostrou um produtor obcecado com o cinema enquanto arte coletiva e com a experiência de assistir a um filme dentro da sala escura como uma espécie de ritual sagrado.
Com o sucesso de Top Gun: Maverick e os louros de Missão Impossível, Cruise levou milhões de espectadores às salas de cinema, em todo o mundo, nos últimos 5 anos, como ninguém.
E é por isso que, mais do que apenas mais uma continuação, o novo Missão: Impossível – Acerto Final chega com o peso simbólico de ser, de fato, a salvação do cinema como conhecemos.
Seria essa a verdadeira missão impossível?
A essência de ação
A beleza da franquia Missão: Impossível sempre esteve na sua simplicidade funcional: tramas episódicas, um mcguffin qualquer (a bomba, o disco, a lista, o código… tanto faz), e o que de fato importa: as cenas de ação coreografadas até o osso, ensaiadas como ballet, filmadas como ópera, capazes de fazer o público prender a respiração a cada nova missão de Ethan Hunt.
O penúltimo filme, Acerto de Contas – Parte 1, entendeu isso bem. Tinha seus excessos, mas equilibrava com precisão a velocidade narrativa e a megalomania da ação. Já o novo capítulo resolve inverter essa lógica: o drama vira o centro da atenção por uma boa parcela do filme.
Durante a primeira hora, somos convidados a mergulhar num emaranhado de explicações, discursos e flashbacks que tentam construir um épico emocional, elevando Hunt à condição de símbolo shakespeariano da luta entre o humano e a máquina, o suor e o algoritmo, a alma e a Entidade (a inteligência artificial que ameaça o planeta e o destino da raça humana).
É como se o filme passasse a se levar a sério demais. Como se toda a aura construída em torno de Cruise como salvador do cinema - e porque não do próprio Hunt como salvador do mundo - contaminasse a narrativa. A estrutura, que sempre foi ágil e inventiva, agora parece descompassada e inchada por uma ambição que não combina com a leveza pulp da saga.
O roteiro costura conexões com filmes passados, traz de volta personagens antigos num aceno aos fãs da franquia e transforma o vilão Gabriel em uma entidade enigmática sem densidade. Tudo isso num tom grave, quase cerimonial, que tenta desesperadamente nos convencer de que estamos assistindo a algo importante.
Mas o que sempre foi mágico em Missão Impossível é justamente o contrário: a consciência de que nada disso é real, e é exatamente por isso que tudo importa.
O cinema como espetáculo visual, como engenho, como invenção pura. Aqui, por boa parte do filme, esse prazer é sufocado por uma verborragia perdida e desconexa.
Mas, ainda assim, quando o filme decide caminhar através da ação, a magia acontece. É cativante, impressionante e até um pouco delirante como a combinação da direção grandiosa de Christopher McQuarrie e a entrega física de Tom Cruise para as sequências de ação criam um efeito completo de deslumbre, coreografando o impossível e criando ação com clareza, espaço e lógica visual.
O trabalho de montagem do longa é também fantástico, costurando ações em paralelo com uma forma poética que agrega para a sensação de risco, do que se tem a perder na história tanto na esfera geopolítica, quanto na esfera emocional daqueles personagens.
É por isso que, mesmo que o filme derrape em sua própria ambição e carregue mais peso do que consegue sustentar, ainda assim vale MUITO o ingresso.
O cinema vai morrer?
Não. E também parece longe “de ser salvo” - o que quer que isso signifique.
O que vai acontecer é o que sempre aconteceu: o cinema vai mudar. Vai ser pressionado, transformado, reinventado. E, talvez por isso mesmo, obras como Missão: Impossível continuem a existir não como salvadoras da arte, mas como excelentes lembretes de seu poder e de sua beleza.
No fim das contas, Cruise não é o messias do cinema. É só mais um cinéfilo obcecado, apaixonado e incansável que trabalha com o que ama e que ainda acredita em colocar tudo em risco por uma boa cena.
E isso, por si só, já é um ato de fé no cinema.
CANNES EXPRESS
Neste sábado (24 de maio) termina o Festival de Cannes com a entrega do Prêmio da Palma de Ouro para o grande vencedor da mostra competitiva do evento. A edição 2025 foi especial para o cinema brasileiro que teve sua história e trajetória homenageada na seção de negócios do festival.
Mais do que isso, O Agente Secreto, filme de Kleber Mendonça Filho (Bacurau, Aquarius, Som ao Redor) e protagonizado por Wagner Moura compete pela Palma de Ouro e teve sua distribuição internacional comprada pela Neon, importante player cena internacional de cinema.
Em outras notícias, a edição contou as exibições dos novos filmes de Spike Lee, Joachim Trier, Wes Anderson, Ari Aster, Julia Ducournau, além de estreias na direção por parte de alguns atores como Scarlett Johansson e Harris Dickinson.
Deixo minha torcida (e expectativa) para O Agente Secreto!
Até a próxima!
Gostou? Espalhe a palavra da newsletter para o seu amigo, vizinho, amante, professor de yoga ou passeador do cachorro que você sabe que adora um bom filme.
Quer sugerir um tema ou comentar algo? É só responder à newsletter ou me encontrar nas redes sociais: Instagram | Letterboxd
Nos vemos na sua caixa de e-mail! :)
Morrer é a última moda!!!