Vampiros em 2025 fazem sentido?
"Pecadores" surpreende com vampiros e discussão racial em bom exercício de gênero.
Estreou recentemente nos cinemas o filme “Pecadores”, de Ryan Coogler (diretor de Pantera Negra e Creed), trazendo de volta a figura dos vampiros às telonas. No fim de 2024, o “Nosferatu” de Robert Eggers deu as caras, com um remake que, assim como diversas séries da última década, também se alimentou do mito do vampiro.
Mas, por que, em pleno 2025, seguimos interessados, amedrontados e seduzidos por essas figuras?
Por que essas criaturas pálidas, noturnas e sedentas de sangue continuam a atravessar o tempo, renascendo a cada nova geração com novos códigos, novas roupas e, ainda assim, os mesmos olhos fundos?
Como os vampiros talvez sejam a figura mitológica mais popular e presente na cultura e no imaginário humano, vale discutir o porquê desse interesse e o que esses monstros têm a nos dizer sobre nós mesmos como indivíduos e como sociedade.
O sangue como metáfora: onde nascem os vampiros?
A mitologia do vampiro é tão antiga quanto a própria humanidade. Histórias de seres que se alimentam da força vital dos vivos — seja ela o sangue, a juventude, o prazer — circulam desde tempos imemoriais. Mas foi a literatura gótica europeia que consolidou a figura do vampiro tal como a conhecemos hoje.
Em 1819, John Polidori escreveu "The Vampyre", considerado o primeiro conto literário moderno com um vampiro aristocrático e sedutor. Em 1872, Sheridan Le Fanu publicou “Carmilla”, antecipando nuances homoeróticas e um erotismo sombrio na figura da vampira.
Mas foi em 1897 que Bram Stoker cunhou, em “Drácula”, a mais influente encarnação do mito: o conde transilvano que encarna o medo vitoriano do estrangeiro, do sexo, da decadência moral e do contágio. Drácula não era apenas um monstro: ele era um espelho dos medos mais íntimos de uma época.
Do expressionismo ao pop: o cinema e a (re)criação dos mortos-vivos
Apesar do surgimento e consolidação na literatura, foi o cinema que eternizou essa figura de vez.
Em 1922, F. W. Murnau lançou "Nosferatu", adaptação não autorizada do livro de Stoker — e ainda hoje, uma das mais assombrosas representações do vampiro como praga, peste, ameaça que se esgueira pelas frestas das janelas e da moral.
Inclusive, o filme retrata nessa figura tanto o contexto social, político e cultural da Alemanha do pós-primeira guerra com perfeição, evocando ainda uma atmosfera relacionada ao trauma da peste negra e das doenças que assolaram a Europa no período entre guerras.
Depois, somente para citar alguns, vieram Bela Lugosi no “Drácula” de 1931, o ar gótico e barroco do “Drácula de Bram Stoker” (1992) de Francis Ford Coppola, o lirismo niilista de “Amantes Eternos” (2013), de Jim Jarmusch, e a estranheza corporal de “Desejo e Obsessão” (2001), de Claire Denis.
A cada novo filme, o vampiro muda. Porque ele precisa mudar.
Afinal, ele é, antes de tudo, uma metáfora.
O que os vampiros nos dizem sobre nós?
Em “Quando Chega a Escuridão” (1987), Kathryn Bigelow nos apresenta vampiros itinerantes, empoeirados, violentos e desesperançados, como um retrato do desencanto da América profunda.
Em “Blade” (1998), o vampiro é reconfigurado como herói de ação, em meio ao colapso urbano e ao medo da contaminação. Em “Entrevista com o Vampiro” (1994), somos convidados a mergulhar na subjetividade desses seres, vendo-os quase como poetas melancólicos — dilacerados pela culpa e pela eternidade.
E quando chegamos a "Crepúsculo" (2008) ou “True Blood” (2008-2014), o mito vira uma narrativa sobre desejo adolescente, sobre identidade, sobre política de minorias.
Ao longo dos séculos, o vampiro tem servido como metáfora para o medo da morte, para o medo do desejo, para o medo do outro, para o medo do tempo.
Mas talvez o mais interessante seja perceber que esses anseios se transformam e moldam de acordo com o tempo e as questões do presente e, consequentemente, as figuras de dentes caninos acompanham a mudança.
O vampiro contemporâneo: sedução, colonialismo e espiritualidade
Para citar os filmes da abertura deste texto, é curioso como o Nosferatu, de Robert Eggers, revive o expressionismo alemão com olhos modernos, refazendo o vampiro clássico numa posição de aristrocrata com uma sensualidade esquisita e obtusa, numa época onde os donos de big techs tentam cada vez mais se pintarem como exemplos de masculinidade.
Já "Pecadores", de Ryan Coogler, uma excelente surpresa de lançamento comercial do cinema dos EUA, nos transporta para a Nova Orleans contemporânea, misturando mitologia vampiresca com tensões raciais, coloniais e espirituais.
Há algo de muito potente nisso: repensar o mito do vampiro a partir de novas lentes, novas violências e novas vozes, adequando-as à memória trágica da KKK na sociedade estadunidense e atrelando a manifestação artística e cultural do blues e do jazz como um refúgio étnico de toda uma comunidade.
No fim das contas…
O vampiro de hoje é herdeiro de todos os seus antecessores, mas também é, inevitavelmente, um retrato do presente. Ele pode ser o opressor ou o oprimido. O colonialista ou o colonizado. O símbolo do medo ou da libertação.
De alguma forma é essa metamorfose cíclica que faz dele uma figura eterna.
Indicações para mergulhar no universo dos vampiros
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