CINESTESIA #33 | Vou precisar de uma newsletter maior...
os 50 anos de "Tubarão" e seu impacto para o cinema
Eu nasci em 1996, mas já escutei de algumas pessoas e vi relatos documentais de como o verão de 1975 foi marcado por um medo constante no imaginário popular: o de entrar na água do mar. O grande causador desse trauma que foi passado de geração em geração desde então? Um filme.
“Você vai precisar de um barco maior.”
Se você nunca viu Tubarão, talvez essa frase ainda ressoe em algum canto da sua memória. E isso já diz muito sobre o impacto de um filme.
Não é exagero dizer que há 50 anos estreava um dos filmes mais influentes da história do cinema e, possivelmente, o mais determinante sobre como assistimos cinema até hoje.
Tubarão (1975), dirigido por Steven Spielberg, foi um divisor de águas na história do cinema e no seu impacto como produto de massa e na indústria cultural do século XX e XXI. O filme definidor do blockbuster como o conhecemos, mudou a relação entre estúdio e espectador, reconfigurou o calendário das estreias, redefiniu o cinema de verão e, de quebra, calcou um trauma coletivo com o mar que dura até hoje.
Mas o que explica esse impacto?
E o que Tubarão ainda nos diz, meio século depois?
Antes da mordida: um pouco de história
Em 1975, Steven Spielberg era um ainda jovem diretor promissor de 27 anos, tentando sobreviver ao seu primeiro grande desafio de estúdio. A produção de Tubarão é conhecida por ter sido um caos completo: o tubarão mecânico falhava com frequência, o cronograma atrasou por meses, o que levou a um consequente estourou do orçamento previsto e, naturalmente, uma grande pressão dos engravatados do estúdio.
No papel, a história parecia simples: uma praia turística ameaçada por um tubarão assassino, e três homens tentando detê-lo. Mas em meio ao caos de produção e de uma simplicidade de enredo, Spielberg fez um espetáculo.
Elevou o suspense ao máximo com o que hoje é um dos maiores e melhores exemplos de uma direção enxuta, objetiva e precisa, capaz de transformar o “menos é mais” em pura arte.
Visualmente isso se traduz em planos e movimentos de câmera tão econômicos, quanto potentes e assustadores. E, num sentido maior narrativo, numa sacada genial: o tubarão mal aparece no filme e é justamente isso que torna a ameaça tão aterrorizante.
Com ajuda da trilha sonora icônica de John Williams, Spielberg construiu uma obra cinematográfica sublime que mostra como o verdadeiro terror mora na sugestão, no que não vemos, no que não conseguimos controlar.
O primeiro grande blockbuster
Tubarão foi um sucesso estrondoso. Tornou-se o filme de maior bilheteria da história na época (até ser superado por Star Wars dois anos depois), redefiniu estratégias de marketing e distribuição, com lançamentos amplos e campanhas televisivas massivas, e mudou a lógica da indústria.
Foi o nascimento do “evento cinematográfico”: aquele filme imperdível, que faz o público correr para o cinema e que transforma uma ida à sala escura em acontecimento coletivo.
Obviamente o cinema já era uma experiência coletiva há muitos anos, mas foi Tubarão que redefiniu seu potencial catártico com a multidão.
Medo, paranoia e metáforas flutuantes
É curioso pensar como um filme de monstro carrega também uma poderosa alegoria política e social. A criatura marinha é o mal invisível que rompe a ordem e ameaça o “american way of life”. A praia de Amity representa a tranquilidade burguesa, que prefere negar o perigo a ver seus lucros do verão evaporarem. Soa familiar?
Assim como Alien, Enigma de Outro Mundo e Godzilla, Tubarão é parte de uma tradição do horror e da ficção científica em transformar medos coletivos em monstros. Seja o medo da guerra, da ciência, da natureza, da tecnologia, ou do outro, o monstro sempre diz mais sobre nós do que sobre si mesmo.
E o predador de Spielberg é nada mais que a forma que o medo coletivo tomou naquele momento e que nunca mais saiu da água.
Um cinema que ainda ensina a fazer cinema
50 anos depois, é surpreendente como Tubarão permanece didático e atual. Ele é uma aula de construção de tensão, de ritmo narrativo, de uso de música, de enquadramento, de montagem. Um filme que respeita o público e o conduz com inteligência, pulso e senso de espetáculo.
Aliás, é impressionante como Spielberg, com menos de 30 anos, já mostrava domínio absoluto da linguagem cinematográfica. Sua câmera conta uma história com cada movimento. Ele filma o medo como quem entende a alma do espectador.
E é por isso que Tubarão reesguarda suas virtudes de tensão, ansiedade e horror até hoje.
E o que resta, então, 50 anos depois?
Resta o susto. Resta o trauma. Resta o prazer de ser manipulado pela narrativa com a precisão de quem sabe exatamente quando e como cortar. Resta o som da música começando, lenta, grave, persistente… e o coração acelerando.
Mas resta também o reconhecimento de que Tubarão não é apenas um filme sobre um predador marinho descontrolado.
É sobre o nascimento de um cinema moderno de entretenimento. Sobre um novo pacto entre criador e audiência.
Sobre como o medo pode unir pessoas numa sala escura, à beira da poltrona, dividindo um salto, um grito, uma gargalhada nervosa.
Talvez o cinema não precise mais de grandes tubarões para nos impressionar.
Mas nós precisamos de fenômenos artísticos e culturais tão potentes quanto Tubarão.
Até a próxima!
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